sexta-feira, 31 de julho de 2009

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A diferença brutal entre estar vivo e estar morto. E percebemos, então, como numa epifania tardia, o verdadeiro significado daquelas palavras: "ser ou não ser, eis a questão". É possível que sejamos apenas pó? Onde está, naquelas linhas rígidas, o génio, a vida que foi um dia? É possível que tenha sido apenas um truque de ilusionismo? Se eu escrevo agora, é possível que sejam apenas impulsos nervosos, sangue que, bombeado pelo coração, irriga os neurónios activos? É possível que eu seja, e tu sejas, apenas mecânica? Onde está a vida insuflada? Não há expressão na boca descaída. As pálpebras fechadas não dizem nada. O corpo mirra como se a vida fosse qualquer coisa física que se perdeu, como um braço a mais, um bocado de carne.

Somos e depois não somos. Ninguém sabe dizer o momento. Mas a diferença abissal. Somos nós? Como podemos ser nós? Quando deixamos de ser, parece tudo tão surreal. Será que, quando deixamos de ser, alguma vez existimos, alguma vez fomos? Como é possível termos existido se agora não somos?

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Existence is a stage on which we pass

Queria falar-vos da Vida. Mas, de momento, não tenho palavras.
Só sei dizer que é normal uma pessoa sentir-se perdida e ter saudades. Mas queria falar-vos da Vida e não da morte.

Ainda não consigo.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Uma dor no coração

Sentado na poltrona vermelha, espero. Não sei bem que horas são, nem o dia, mas espero. Alguém há-de aparecer. Se me lembro bem, tenho dois filhos e filhos de filhos. Ou não? Que ano é? Onde estão os miúdos? Quantos anos passaram desde que a minha mulher morreu?

Pareceu-me ouvir a porta. Sim, ouvi a porta. Estava tão distraído com os meus pensamentos que quase não a ouvia. Levanto-me devagar, as pernas torpes, já não consigo manter sequer a cabeça direita. Mas ainda caminho. À porta está um amigo de longa data que me pergunta se não quero ir tomar um café. Tenho passado demasiado tempo em casa e por isso aceito.

Não me lembro bem como desci até à rua, mas encontrei-me à porta do edifício, de mãos nos bolsos (fui eu que me vesti?), chapéu na cabeça, o meu amigo a meu lado. Recordamos com saudade outros tempos. Pergunta-me pela minha mulher, e uma breve sombra enevoa-me o pensamento, mas depois, não é nada, e respondo que está bem, obrigado. E os miúdos, e eu, uns reguilas.

Não sei como voltei à espera de poltrona vermelha. Onde está o meu amigo? Perguntam-me se quero jantar, mas como posso jantar sem a minha mulher? Espero por ela.

Lá fora, o sol esconde-se devagar por trás dos prédios. O meu filho disse que me vinha visitar hoje. Ou isso foi ontem? Que dia é hoje?

À vezes os meus netos visitam-me. É bom sentir o optimismo da juventude à minha volta. Gosto que se sentem ao meu lado e que falem comigo. Gosto que me segurem a mão. Gosto do seu interesse nas minhas histórias. Não gosto quando se vão embora. Às vezes falam-me de pessoas de quem não me lembro, mas não posso dizer-lhes isso, ou julgam que já não estou bom da cabeça.


Olho para as horas. Mas já não consigo distinguir bem os números. Que horas serão? Já não há luz lá fora. E a minha mulher, que nunca mais chega. Há quanto tempo morreu?

terça-feira, 21 de julho de 2009

A propósito de nada

Hoje, quando ouvi umas bocas trocadas entre duas empregadas brasileiras de um certo café e um casal também brasileiro sobre se eram corintianos ou palmeirenses (espero estar a escrever os termos correctos) senti-me uma estranha no meu próprio país.

domingo, 19 de julho de 2009

Desculpem se parece conversa fiada

Existe um mundo, que me estava talvez destinado, que é um mundo repleto de miúdos e miúdas que cantam o fado e tocam viola e andam a cavalo. Cheiram bem e têm sorrisos brancos e sonham com famílias estáveis com o homem a vestir as calças, a mulher submissa, os filhos imensos e loiros, com nomes como Salvador, João Maria, Benedita e Leonor. As pessoas cumprimentam-se com um beijo e distribuem sorrisos convencionais por todas, mas também olhares de desdém e reprovação quando são necessários.

Mas eu, eu sinto-me deslocada nesse mundo, sou um espírito livre, não sei ser bem, nem sei quais são os truques das conversas de circunstância.

Dou dois beijos (porque é um que eu dou e outro que a outra pessoa dá) e não sonho com quintas e cavalos (mas sim com alguns filhos, quaisquer sejam os seus nomes, formas e feitios), digo prenda ou vermelho quando calha. Sei que por isso algumas pessoas me vêem com um olhar de condescendência, como se isso me fizesse ser inferior, mas sinceramente não quero saber - posso ter querido saber quando era mais nova e queria sentir-me inserida, mas vamos conhecendo tanta gente ao longo da vida, e começamos a perceber o que é realmente importante.

Para além disso, gosto de fazer amigos em qualquer lado e dizer ciao se me apetecer. Já tenho os meus próprios sonhos para perseguir, não posso preocupar-me com os sonhos que outros um dia tiveram para mim.

Bookworm 2

Nas últimas duas semanas li:

Brave New World, de Aldous Huxley. Bastante diferente do que imaginava, na minha cabeça seria uma história parecida com a de 1985, mas desenganem-se, não tem nada a ver. Bem, talvez tenha qualquer coisa a ver, mind control, repressão, mas Brave New World é bastante mais infantil ou superficial ou fantasioso na abordagem a esses temas. De qualquer das formas, gostei. Mas bastante menos do que pensava que ia gostar.

Marina, de Carlos Ruiz Zafón. Mais um policial com coisas sobrenaturais pelo meio. Um livro entertaining, como já o tinha sido O Jogo do Anjo, mas pouco mais que isso.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Estado da Nação?

"Eu não posso votar nesta gente", António Barreto, ainda agora na SIC Notícias.

É a tradução do que eu sinto (e provavelmente todos os outros eleitores).