Sentado na poltrona vermelha, espero. Não sei bem que horas são, nem o dia, mas espero. Alguém há-de aparecer. Se me lembro bem, tenho dois filhos e filhos de filhos. Ou não? Que ano é? Onde estão os miúdos? Quantos anos passaram desde que a minha mulher morreu?
Pareceu-me ouvir a porta. Sim, ouvi a porta. Estava tão distraído com os meus pensamentos que quase não a ouvia. Levanto-me devagar, as pernas torpes, já não consigo manter sequer a cabeça direita. Mas ainda caminho. À porta está um amigo de longa data que me pergunta se não quero ir tomar um café. Tenho passado demasiado tempo em casa e por isso aceito.
Não me lembro bem como desci até à rua, mas encontrei-me à porta do edifício, de mãos nos bolsos (fui eu que me vesti?), chapéu na cabeça, o meu amigo a meu lado. Recordamos com saudade outros tempos. Pergunta-me pela minha mulher, e uma breve sombra enevoa-me o pensamento, mas depois, não é nada, e respondo que está bem, obrigado. E os miúdos, e eu, uns reguilas.
Não sei como voltei à espera de poltrona vermelha. Onde está o meu amigo? Perguntam-me se quero jantar, mas como posso jantar sem a minha mulher? Espero por ela.
Lá fora, o sol esconde-se devagar por trás dos prédios. O meu filho disse que me vinha visitar hoje. Ou isso foi ontem? Que dia é hoje?
À vezes os meus netos visitam-me. É bom sentir o optimismo da juventude à minha volta. Gosto que se sentem ao meu lado e que falem comigo. Gosto que me segurem a mão. Gosto do seu interesse nas minhas histórias. Não gosto quando se vão embora. Às vezes falam-me de pessoas de quem não me lembro, mas não posso dizer-lhes isso, ou julgam que já não estou bom da cabeça.
Olho para as horas. Mas já não consigo distinguir bem os números. Que horas serão? Já não há luz lá fora. E a minha mulher, que nunca mais chega. Há quanto tempo morreu?